quarta-feira, 23 de junho de 2010

Explosão

 As tardes de futebol televisivo dos domingos só estavam completas quando as rebentações vindas da cozinha começavam. Eu sempre abandonava os primeiros minutos ainda do primeiro tempo para conferir aquele milagre. De início, só pensava no fato de nada dar certo. Pelo desastre na cozinha resumir-me, só consigo imaginar futuras desgraças com os cozinheiros da vez. Como existe a possibilidade de uma transformação tão grande no formato de alguém, em questão de segundos? O estrondo do metal batendo na boca do fogão significava o soar de um sinal de iniciação. Começará o grande espetáculo! O líquido gorduroso e o exército de milhos já estão despejados na panela. Os grãos faziam um barulho de súplica. A ida do saquinho plástico ao fundo da panela representava um caminho de tortuosidade. Semelhante à ida ao campo de concentração, quem sabe. Os pobres milhos saberiam? Sentiam, sem dúvida, algo ruim para acontecer em curto espaço de tempo.



 O milho consiste-se em brevidade. Sem mais nem menos, já está dentro de uma panela com óleo quente lambuzando todo o seu corpo. Explosão. Couro duro. E parecia tão sólido e decidido. Ilusão... Sem perceber, já se transformou por inteiro e está cercado por um babado branco como flocos suaves. Agora está vestido com um véu afável, lindo. Não queria estar assim. Mas aconteceu tão rápido; nem deve ter percebido. Quando viu, já estava feito. Na certa preferia continuar milho. Um grão de amarelo alaranjado e firme. E sólido. E rígido. E implacável. Ou não? Os alicerces. Pelo visto, quebraram-se sem aviso. No final das contas, poucos se qualificam como piruás. Poucos resistem às pressões e ficam com a mesma essência. Poucos não são influenciados por fatores externos. Poucos permanecem. Poucos continuam. E nem vistos como vencedores estão, mas desprezados ou esquecidos no canto do pote, quando não quebram dentes e ganham o título de culpados.



 Ainda assim, está claro: O tamanho da pressão não importa, quando deveríamos nos fortalecer, abstrair os maus pensamentos, más decisões e continuarmos possuindo a dita difícil qualidade original: De milhos inexoráveis.



 No fundo, a televisão grita: Gooool!



 E corro da cozinha para alcançar o replay, com uma dúzia de pipocas empanturrando a boca.


(Camilla)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Representações não-verbais

Diálogo entre a amazona de Kafka e o espectador:

- O que eu posso fazer por você, frágil amazona?

 Do alto da galeria, o espectador mais vivo e hipnotizado com a presença da amazona, indagava-se. O que eu posso fazer por você?. Para ele, era como se a amazona respondesse com o próprio corpo, com os movimentos. Sua cintura, em deslocamentos finos, como de quem contorna obstáculos. Ondas. Rastejavam como o chicote do domador. Mais parecia uma súplica por socorro. Braços leves, face branda. O que eu posso fazer para te libertar?

 Ela dizia com o mover dos olhos. Pegue-me. Encarava. Vou buscá-la. E se não for? Espere. Desceria aos pulos todos os vãos, as filas, os degraus, as pessoas, o picadeiro, o cavalo, a dificuldade... Basta!

 Conseguiria?

 O corpo dela continuava a representar movimentos de chamado: Venha! Era o mover que parava no ar. Ou seria em mim que paralisava? Ou as pernas que não mexiam e eram incapazes de correr para o resgate? Coragem, diziam os riscos dos braços no ar, da amazona de porcelana.

 Todas as partes do corpo dela falavam. Falam comigo e eu respondo. Um pedido por liberdade. Observava todos os detalhes, menos a boca. O que aqueles lábios poderiam dizer? A única parte que poderia falar com sons era muda. Pude ouvi-los com o sentimento. Timbre? Desde quando sabia leitura labial? Os lábios abriram-se:

- É tudo representação. Coisa de circo.

Não estaria, portanto, em perigo? Por que depois dessa notícia tudo ficou mais pesado?

(Camilla)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A história de Cinderela, na visão da abóbora

         O meu conto está pela metade. Cheguei na casa de Cinderela quando a situação estava prestes a mudar. Não conheço direito os pormenores de seu início, mas, uma história de amor não é lembrada pelo seu final, seja ele infeliz ou alegre?
            O bom de ser uma simples abóbora, quase esquecida em sua cesta de legumes, é que eu aprendi a observar as pessoas minuciosamente. Passei a reparar seus movimentos, suas expressões e, às vezes eu sentia que por pouco eu não conseguia ler seus pensamentos.
            Reparar em Cinderela me deixava triste, querido ouvinte. Era uma moça formosa, com ombros delicados, pés e mãos pequenos; só que seu olhar era profundo e só para tão pouca idade e vivência.
            Cheguei a desejar que ela pudesse trocar de lugar comigo, para poder descansar e esquecer por uns momentos de sua realidade. Eu, ao contrário, carregaria com prazer o seu fardo.
            Gosto de pensar na sorte da vida. Isto talvez por eu não ter o que fazer. Nem sei se para uma abóbora, pensar tem alguma virtude. De que me serve refletir, se ninguém conhecerá meus pensamentos, minhas ideias?
            O que eu queria dizer, meu amigo, é que a sorte da doce menina viria logo a mudar. Por mais mágico, que pareça ser, uma fada madrinha atendeu ao pedido de seus amiguinhos e veio ajudá-la. Como você pode ver, fadas madrinhas não existem somente nos contos de fada.
            Com uma grande ajuda, Cinderela foi ao baile da família real a fim de poder dançar com o príncipe, que estava procurando por uma noiva. O jovem, o qual não me recordo seu nome agora, bailou e tropeçou com diversas princesas e moças, porém apenas Cinderela fez seu coração inocente bater com precisão. Ele havia encontrado aquela que dançaria com ele até o fim.
            Sim, não há erros; a vida prega peças. Talvez para deixar as pessoas mais lutadoras e firmes.
Como eu ia dizendo, o rapaz sabia que Cinderela era a sua princesa. Ele não precisava conhecer o seu passado, só precisava dela por ela mesma.
Após prazerosos momentos de dança juntos, as badaladas da meia-noite começaram a soar e, desconcertada, a moça iniciou a sua fuga. Como corria! Pude presenciar de longe toda a cena, sem saber o que pensar. Cinderela deveria fugir ou enfrentar o seu destino? Ela continuou a correr, até que entrou em minha carruagem e partimos.
Oh, como sou tola, paciente ouvinte! Creio que me esqueci de contar-lhe preciosos detalhes dessa aventura. O que aconteceu foi que a fada madrinha fez à nossa personagem um vestido de festa muito bonito. Era de seda, cor clara, com pedrinhas enfeitando-o. Contudo, o que mais impressionava em suas vestes reais eram os sapatos de cristal, tão radiantes quanto a sua feliz portadora agora estava.
Talvez você esteja se perguntando como Cinderela chegou ao castelo, porque afinal, sua casa era longe da cidade e do comércio. Você ficará impressionado o bastante se eu lhe disser que fui transformada em uma carruagem? Sim, uma carruagem de abóbora, a qual minhas rodas eram raízes. Mas falar sobre mim não é o principal desta história.
            Cinderela fugiu da presença de seu amado porque era uma condição da fada madrinha. Ao terminarem as badaladas da meia-noite, ela voltaria a ser a pobre moça, vestida em trapos.
Não se entristeça meu ouvinte, pois esse conto ainda não terminou.
Aflita em sua correria, a jovem deixou escapar um dos sapatinhos de cristal, o qual o príncipe guardou para si e, no dia seguinte, saiu à procura da dona. Todas as mulheres do reino o experimentaram, mas em nenhuma servia perfeitamente.
Até que ele chegou na casa da madrasta de Cinderela. Suas filhas feias calçaram a peça, porém seus pés eram não somente muito maiores, mas também desengonçados. Forçaram diversas vezes o sapato, mas era visível o que ele não pertencia a nenhuma delas.
A madrasta, ao voltar do baile, havia notado em Cinderela uma mudança, um ar de felicidade que a garota nunca havia demonstrado antes. Não fazia sentido para ela como alguém poderia limpar o chão da cozinha cantando, rodopiando, sorrindo. Então percebeu que ela era a moça que havia encantado o herdeiro do trono. Com isto, prendeu-a em seu quarto, a fim de que ela não provasse o sapato.
Seus minutos de sofrimento fizeram-na perder a esperança. Como sofria. Pude escutar seus soluços, seu choro baixo.
            Obrigada por esperar, ouvinte, garanto-lhe de que sairá satisfeito com o final deste conto. Sim, Cinderela, com uma grande ajuda de seus amigos bichinhos, conseguiu sair de seu quarto e novamente correu.
Desta vez, correu para aquele que dançaria com ela até o fim.


(Livia)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Rosto

Por meio dele, pude ver sua alma expresso em seu formato e tom. Possuo o privilégio que não tens, mesmo que comtemples sua imagem. Mas com ele, tens o poder de atrair ou repelir. Por ele se diz tudo, ou talvez não se diga nada. Enfim, nele pode se fazer a leitura de uma história de vida.

                                                                             Andrea e Claudio

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Bela Adormecida

História contada a partir do ponto de vista de uma personagem secundária.
Personagem escolhida: Um cavalo.

  Estive boa parte de minha juventude no castelo real. Desde muito pequeno, ainda nos meus primeiros trotes, acompanhei de perto toda aflição do rei e da rainha, por não terem filhos. E tive a graça de também estar presente no dia em que a rainha descobriu que estava grávida. Foi um dia especial, abençoado até. Uma criança estaria a caminho! O que ela pensaria de mim? Pois eu já a amava e a levaria a todos os cantos da floresta. Estava ansioso para que ela chegasse logo ao mundo.

  Os nove meses demoraram, mas chegaram. Só agora percebo como o tempo é cheio de pressa e como as coisas acontecem rápido por demais. Quando somos jovens, agimos de maneira tão feroz que até nos esquecemos das coisas. Vocês devem saber onde eu quero chegar. Falo do tal baile que o rei fez tanta questão de fazer, em comemoração ao nascimento da filha. A cidade inteira foi convidada! E eu, como mandava o figurino da época, estava à altura do evento: Selado, com ferraduras novas e escovado. O castelo era flores, alegria e planos – muito diferente do que se vê por aqui atualmente.

  Mas eu falava da distração da juventude. O castelo sempre contratou funcionários muito experientes e alguns, como eu, estavam aqui há anos. Menos o ajudante do cozinheiro, novo e tolo, como a maioria dos jovens. Ele era todo confusão. E esqueceu um dos treze pratos de ouro que iriam ser usados para servir as fadas.

  Sim, leitor desavisado: eram treze pratos de ouro! Como é que a rainha iria se esquecer de comprar um a mais para o conjunto de doze, no caso de danos, perdas ou imprevistos? A rainha sempre foi muito cheia de atitude e dançava conforme a dança – se me permitem o trocadilho – em todos os bailes do castelo. Fazia ziguezague com o quadril e resolvia, todas as vezes, os problemas que surgiam. De certo que ela estava um tanto avoada nos últimos dias, mas ela não seria capaz de cometer um erro desses, não é mesmo?

  E o resultado todo mundo conhece. A décima terceira fada ficou esquentadinha, lançou o feitiço na pobre princesa, a outra fada aliviou um pouco o feitiço original, e a princesa, quinze anos depois (na tolice da juventude) espetou o dedo na roca. Agora o castelo inteiro é sonolência, até o feitiço acabar, cem anos depois de realizado. Eu fui o único a me safar, porque justamente no dia desse fuzuê, fui dar uma passeada pelos bosques vizinhos. Eu não vou sobreviver até o final dessa maldição, afinal, meu pelo já está velho e não posso mais correr como antes. Pelo menos eu me livrei dessa fase avoada de adolescente, mas terei que conviver com essa paz extremada até o final dos meus dias, que estão para chegar. Porém, eu espero que tudo acabe de vez e que a princesa passa encontrar um marido do futuro.

Camilla

terça-feira, 1 de junho de 2010

Se alguma mulher pudesse viver feliz eternamente, pudesse amar e ser amada, pudesse realizar todos os seus desejos, talvez então um mundo muito melhor estaria por vir pois a mulher é o ser mais corajoso do mundo.
Mas uma vez que não é assim, um homem perdido numa selva com bichos selvagens, sem míngüem para conversar, logo morrerá. Uma vez que é assim, fica difícil viver numa selva com tantos bichos e ausência de pessoas. A solidão acaba matando cruelmente este homem.

autoras: Alessandra e Antônia